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O Reconhecimento de Paternidade Socioafetiva

O Reconhecimento de Paternidade Socioafetiva

Tradicionalmente, as pessoas encaram o tema do reconhecimento de paternidade por meio da imagem clássica de ações judiciais litigiosas, em que o pai tenta se esquivar do dever de reconhecer o filho.

Imaginam-se cenas de “exames de DNA”, com destaque apenas para a filiação biológica, sem que nem sejam considerados dois institutos jurídicos que são cada vez mais fortes na atualidade: a multiparentalidade e a filiação socioafetiva.

No presente artigo, pretendemos tecer breves considerações sobre a filiação socioafetiva, dada a relevância social do tema e a sua divulgação, que em nosso entendimento, ainda é muito baixa na sociedade brasileira.

 

Filiação e Afetividade

A filiação (relação entre pai/mãe – filho) é o vínculo de parentesco mais importante que existe, sendo que, tradicionalmente, sempre foi compreendida apenas sob o viés biológico/genético.

O viés biológico, sem dúvida, permanece sendo muito relevante, havendo inúmeras pretensões de pessoas que buscam o reconhecimento de filiação através da prova genética.

No entanto, de algumas décadas para cá, sobretudo após o advento da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (em 1990), ganhou força o princípio da afetividade.

Passou-se a entender que, para além da genética, a presença de laços de afeto entre as pessoas era suficientemente apta a criar vínculos de filiação. Trata-se, literalmente, do reconhecimento jurídico do ditado popular que afirma que “pai ou mãe é quem ama e cria – e não meramente quem concebeu, geneticamente, o filho”.

E não se está aqui a falar da adoção, que tem origem milenar no Direito Romano, regras rígidas e muitas vezes desestimulantes, mas sim do reconhecimento do afeto como um valor jurídico suficientemente forte para “criar” o estado de filiação, passível de ser formalmente reconhecido.

É isso que recebe o nome de filiação socioafetiva.

 

O Reconhecimento de Paternidade ou Maternidade Socioafetiva Extrajudicial (no cartório)

Nos primórdios da aplicação dessa tese, era imprescindível a judicialização do tema, sendo que o reconhecimento da filiação “não genética” não podia ocorrer de forma espontânea e extrajudicial. Era preciso ingressar com ação na Justiça, pedindo ao Juiz que reconhecesse a existência da filiação socioafetiva, declarando-a em sentença.

Em alguns casos, a judicialização ainda segue sendo necessária.

No entanto, em 2017, o Conselho Nacional de Justiça (órgão que tem competência para expedir atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades notariais) expediu o Provimento nº 63, que passou a permitir, em determinadas hipóteses, que o reconhecimento da filiação socioafetiva ocorra em cartório, de maneira rápida e prática, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Posteriormente, o Provimento nº 63 teve sua redação alterada pelo Provimento nº 83, sendo que tal nova redação é a que está atualmente em vigência e que será explicada a seguir.

 

Provimentos nº 63 e nº 83 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Atualmente, permite-se o reconhecimento notarial, realizado no cartório, da paternidade/maternidade socioafetiva.

Para tanto, é preciso que sejam atendidos alguns requisitos:

1. O filho a ser reconhecido deve ter mais de 12 (doze) anos.

2. O pretenso pai/mãe precisa ter mais de 18 (dezoito) anos e precisa ser 16 (dezesseis) anos mais velho que o filho a ser reconhecido.

3. Não importa o estado civil do pretenso pai/mãe (pode ser casado, solteiro, divorciado, viúvo), porém é proibido que ele/ela já seja ascendente (pais, avós, bisavós) ou irmão do filho a ser reconhecido.

4. Incumbe ao pretenso pai/mãe demonstrar ao tabelião provas de que existe a afetividade, preferencialmente através de documentos, os quais serão arquivados no cartório. No entanto, mesmo ante a ausência de documentos, o tabelião poderá apurar a existência do vínculo afetivo, desde que justifique e indique que método utilizou para fazer isso.

5. É imprescindível, ainda, que haja a participação do Ministério Público (MP), que deverá emitir parecer (favorável ou desfavorável) ao reconhecimento da filiação socioafetiva. O parecer do MP é vinculante, sendo que o tabelião só estará autorizado a reconhecer o vínculo caso o parecer seja favorável. Se for desfavorável, o procedimento será arquivado, restando ao interessado recorrer à via judicial.

6. Caso o filho a ser reconhecido seja menor de idade (entre 12 e 18 anos), para que haja o reconhecimento socioafetivo de um novo pai ou uma nova mãe, será necessário que os pais “já existentes no registro civil” assinem o termo notarial respectivo. De igual modo, é necessário o consentimento do próprio filho.

Uma restrição interessante imposta no Provimento diz respeito à limitação da quantidade de ascendentes (pais, avós, bisavós) que podem ser reconhecidos extrajudicialmente. Apenas se permite que 1 (um) pai ou 1 (uma) mãe adicionais sejam incluídos no registro civil do filho a ser reconhecido.

Isso porque, conforme anteriormente referenciado, no Brasil se admite o fenômeno da multiparentalidade. Ou seja, um filho pode ter mais de um pai e de uma mãe. No entanto, para fins de reconhecimento extrajudicial, apenas se admite a inclusão de um pai e de uma mãe adicionais – e não de um número superior. Caso se pretenda o reconhecimento de um número acima de dois (pais ou mães), é necessário recorrer à via judicial.

Por fim, destaca-se que, havendo suspeita de fraude, vício de vontade ou dúvida, o tabelião pode se recusar a finalizar o ato, hipótese em que enviará o requerimento ao Juiz de Direito competente.

 

O Reconhecimento de Paternidade ou Maternidade Socioafetiva Judicial

Os casos que não se enquadrem nas regras acima descritas ainda precisam ser decididos judicialmente, mediante a propositura ações pelos interessados, por meio de um advogado.

As hipóteses mais notáveis são os casos em que se pretende o reconhecimento da filiação socioafetiva de menores de 12 (doze) anos e casos em que haja desentendimentos ou dificuldades na expressão de vontade de algum dos envolvidos.

 

Conclusão

O objetivo principal deste artigo é o de informar que a afetividade é fundamento apto a gerar um vínculo de filiação e que o reconhecimento de tal vínculo, desde 2017, em muitos casos pode ocorrer de forma simples e rápida, sem que a Justiça precise ser movimentada.

Havendo afeto, muito provavelmente será possível pedir a filiação, a qual cria laços jurídicos extremamente fortes entre os envolvidos, a exemplo do direito de herança e do direito a alimentos.

Ainda, no Brasil se reconhece a multiparentalidade, podendo um filho ter um número ilimitado de pais e mães, desde que haja afetividade.

Por fim, mesmo nos casos mais complexos, sempre será possível acionar o Poder Judiciário para tentar se obter o reconhecimento da filiação socioafetiva.

Como sempre, recomenda-se a procura de um advogado especialista sempre que houver a pretensão de se reconhecer alguém como filho. O tema, como se pôde perceber, tem muitas nuances e “caminhos distintos para resolução”, o que exige diagnóstico especializado.

 

 

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